Olá, produtor(a)!
Este é o Capítulo 1 do Módulo Comercialização e Distribuição. Aqui, você terá a oportunidade de conhecer ou se aprofundar em temas como o panorama da indústria cinematográfica brasileira e mundial, entendendo comportamentos históricos e características sociais, culturais e econômicas que impactam diretamente o consumo do audiovisual em nosso país. O que podemos fazer para que as nossas produções sejam cada vez mais consumidas?
Vamos conferir!
Este capítulo tem como objetivo conhecer o panorama da indústria audiovisual brasileira e mundial, analisar as características do mercado audiovisual brasileiro e mundial, as dificuldades enfrentadas pelos produtores e distribuidores e os fatores que impactam diretamente no consumo de conteúdo nacional nos cinemas. Além disso, vamos compreender o cenário atual de transformação por que passa a indústria audiovisual, identificando aspectos culturais e tecnológicos que têm contribuído para isto e vamos, ainda, identificar oportunidades para a comercialização de projetos audiovisuais.
Vamos iniciar ouvindo um podcast:
Para começarmos a nos aprofundar no tema central do módulo, é fundamental que entendamos as características do mercado cinematográfico brasileiro.
Na tabela a seguir, podemos ver um bom resumo analítico sobre isso.
Fonte: ANCINE (2020).
Quantas informações podemos tirar dessa tabela, não é mesmo? Destacaremos, na sequência, algumas delas, as quais consideramos essenciais para nosso módulo.
Tomando o ano de 2019 como referência, o resultado total de
pouco mais de 176,4 milhões de espectadores deixou o mercado
brasileiro na 9ª posição em relação aos números globais. É um
bom resultado? Sim, mas poderia ser bem melhor. A primeira prova
disso é o número de ingressos per capita, que, nesse mesmo ano,
foi de 0,84.
O que isso quer dizer? Simples: que durante todo o ano, cada
brasileiro consumiu, em média, menos que um ingresso de cinema.
Ou seja, se levarmos em conta que há pessoas – provavelmente
como eu e você – que vão ao cinema pelo menos uma vez ao mês, ou
seja, doze vezes ao ano, imaginemos a quantidade de brasileiros
que simplesmente não frequentam nossas salas de exibição. Esse
0,84 é um dos números mais baixos entre as médias de ingressos
per capita das grandes economias globais. Infelizmente, vivemos
em um país em que a cultura cinematográfica ainda é vista como
um luxo e para consumo de poucos.
Um dos questionamentos mais comuns – e relevantes – que costumamos fazer é: se o brasileiro tem o hábito de consumir tanto conteúdo audiovisual nacional na TV, por que ele também não os consome no cinema? Logicamente, não existe uma única resposta para tal questionamento, mas dois fatores nos parecem bastante elucidativos. O primeiro deles, e que pode ser considerado como um dos principais vilões dessa história, é o reduzido número de complexos cinematográficos e, principalmente, salas de exibição no Brasil. Veja só:
Fonte: ANCINE (2020).
Para se aprofundar, assista a um vídeo sobre o assunto:
Uma das ferramentas governamentais criada para proteger a cinematografia nacional é a cota de tela. Esse é um decreto que obriga a todos os exibidores brasileiros que incluam em sua programação produções nacionais. O número de dias e de obras que devem ser exibidas é atualizado e estabelecido anualmente.
Enfrentar tamanhas adversidades não é uma tarefa fácil e, por isso, as atividades que envolvem a comercialização e a distribuição de um longa-metragem são ainda mais essenciais em mercados como o nosso. Dessa forma, chegou a hora de entendermos mais sobre nossos distribuidores.
Atualmente, existem dezenas de distribuidores independentes atuantes no Brasil, porém essa quantidade não se reflete exatamente em resultados. A partir dos dados apresentados pela ANCINE, no Anuário Estatístico do Cinema Brasileiro 2019, podemos inferir que, em 2019, as distribuidoras internacionais – as chamadas majors, formadas por Disney, Warner, Sony, Universal e Paramount – foram responsáveis por pouco mais de 80% do resultado total de bilheteria do ano, enquanto as distribuidoras brasileiras independentes foram responsáveis pelo lançamento de mais de 80% dos títulos.
Vamos reforçar, para que fique mais claro: apenas 20% dos títulos lançados no país representam 80% da bilheteria total. Na verdade, essa discrepância é ainda mais brutal. No mesmo 2019, pela primeira vez na história, o top 10 dos filmes mais assistidos no ano representou mais de 50% de toda a bilheteria anual. Ou seja, apenas dez filmes somados fizeram a mesma bilheteria que a soma de todos os outros 434 lançamentos daquele ano. Comprovando essa lógica, podemos ver como ficou a concentração de Market Share:
Fonte: ANCINA/OCA (2019, p. 20).
Responsáveis por nada menos que sete entre as dez maiores bilheterias de 2019, os longas lançados pela Disney abocanharam quase metade da participação da renda cinematográfica do ano. Aproveitando o tema, vamos falar sobre tendências em breve, mas será muito interessante acompanhar ao longo dos próximos meses se o surgimento e a consolidação das plataformas de streaming das majors farão com que essa concentração diminua – já que alguns de seus lançamentos irão direto para as plataformas – ou se isso irá se solidificar ainda mais, já que os exibidores estrearão seus filmes com circuitos ainda maiores para aproveitarem ao máximo a janela de exclusividade antes que esses conteúdos estreiem no on demand.
A transformação dos modelos de negócios no mercado audiovisual está impactando o mercado de uma forma nunca vista. Recentemente, a atriz Scarlett Johansson entrou com um processo contra a Disney, empresa responsável pelo lançamento do filme Viúva Negra, estrelado por ela, sob a justificativa de que, ao optar pelo lançamento simultâneo nas plataformas de streaming e nas salas de cinema, a empresa teria prejudicado os lucros da atriz, que seriam decorrentes dos resultados das bilheterias.
Como sabemos, o mercado audiovisual brasileiro é visceralmente dependente do financiamento público! É inegável e inquestionável a necessidade da existência de .
Dos 183 filmes nacionais lançados em 2018 (ano do último estudo estatístico realizado pela ANCINE sobre o tema), cerca de 70% destes longas foram financiados com a utilização de recursos públicos, seja através do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual) ou de fomentos indiretos. Analisando o resultado total de público, conseguimos observar essa dependência de forma ainda mais escancarada:
Fonte: ANCINE (2019).
Apesar de, em 2018, constar o número de 12,42 milhões de espectadores para longas-metragens sem investimento público, quase que sua totalidade foi representada pelo filme Nada a Perder, que teve mais de 12 milhões de ingressos vendidos. Nada menos que 98% dos filmes produzidos com recursos privados fizeram (bem) menos que 100 mil espectadores cada. Dessa forma, podemos assumir, com raras exceções, que a maior parte dos filmes realizados sem o apoio da ANCINE é formada por longas nichados, de menor potencial comercial.
Dessa forma, a atual paralisação da ANCINE gera uma gigantesca preocupação no setor. Desde 2018, não são disponibilizadas novas linhas de financiamento no FSA e, atualmente, nossa produção cinematográfica está se resumindo a (poucos) projetos rodados com recursos próprios ou longas que foram beneficiados em chamadas públicas anteriores, mas que ainda não haviam sido produzidos.
A cultura é uma das principais ferramentas de formação de uma sociedade e uma cultura defasada impacta diretamente ou indiretamente em cada um de nós. Algumas mudanças já estão acontecendo, mas, hoje, temos a certeza de que não podemos depender única e exclusivamente dos recursos públicos para financiamento do nosso audiovisual.
Mas o que podemos fazer? Uma possibilidade que vem surgindo com cada vez mais força para a produção nacional é o streaming.
De poucos anos para cá, surgiram em nosso dia a dia uma série de plataformas de streaming, cada uma com suas características e particularidades. Grandes empresas globais como Netflix, Amazon Prime Video e HBO Max, até plataformas locais como Globo Play, SP Cine Play, Belas Artes à La Carte, entre muitas outras, se tornaram portas de estreias para filmes que não conseguiram um lugar ao sol nos cinemas e para longas e série diretamente produzidos para elas, sob demanda.
Além de todos os benefícios envolvidos nessa transformação, que serão melhor analisados no Capítulo 4, uma plataforma tem como principal diferencial em relação a qualquer outro formato de exibição a existência de um catálogo praticamente infindo. Dessa forma, obras que dificilmente conseguiriam espaço ou continuidade em salas de exibição estão vendo uma (ótima) saída no on demand para chegar em seu público final. Isso dá a possibilidade de transformar nossa indústria de forma avassaladora.
Apesar de serem caminhos importantes, o avanço do streaming e o sucesso da Lei n. 12.485, mais conhecida como Lei Da TV Paga – que passou a exigir dos canais por assinatura uma cota de conteúdo nacional a ser exibido na programação e, por demanda do público, esse número acabou sendo espontaneamente superado –, o cinema continua sendo uma janela fundamental para o lançamento de um conteúdo.
Assim, voltamos ao problema inicial. Como desenvolver nossa indústria? A resposta não é simples, mas será que poderíamos nos inspirar em outros mercados? Confira a seguir.
Se a indústria cinematográfica brasileira não navega mares tão tranquilos, fora do país o cenário é relativamente melhor. Apesar do impacto natural decorrente da entrada das plataformas de streaming, as redes de cinema globais conseguiram se sustentar graças a grandes lançamentos e audiências que, historicamente, têm como hábito frequentar as salas de cinema. Seria desproporcional comparar nossos resultados com grandes potências globais do consumo cinematográfico, como França, China e EUA, mas aqui mesmo na América Latina existe um exemplo em que o Brasil poderia se inspirar para desenvolver nossa indústria.
Apesar de ter uma população um pouco superior a metade da população brasileira, o México é um dos maiores “vendedores de ingresso” do mundo, ficando atrás apenas da China, Índia e Estados Unidos em relação ao número de espectadores por ano:
Fonte: FOCUS (2020, p. 11).
Acima, podemos identificar mais de perto a disparidade entre os dois países mencionados. Analisando o resultado de 2019, especificamente, vemos que, enquanto o Brasil registrou 176 milhões de espectadores, os mexicanos conquistaram praticamente o dobro, com 342 milhões.
A disparidade da indústria dos dois países fica ainda mais escancarada quando se analisa o número de salas, em que nossas 3.500 salas de exibição não entram nem no Top 10 global, ficando abaixo inclusive de países consideravelmente menores como Itália, Espanha, entre outros:
Fonte: FOCUS (2020, p. 12).
Um outro prisma interessante para analisarmos é o número de filmes produzidos localmente. Como vimos acima, o mercado brasileiro lançou 167 filmes em 2019. Analisando globalmente, apesar de o mercado americano ser o mais predominante globalmente, ele é apenas o terceiro em relação a filmes produzidos por ano, atrás da Índia e China:
Fonte: FOCUS (2020, p. 13).
Aliás, incrível este número de produções nacionais indianas produzidas por ano, não é mesmo? Não é de hoje que sabemos que o mercado indiano é um verdadeiro fenômeno cinematográfico. Com produções voltadas principalmente para consumo interno somado a proteção governamental contra o “domínio cultural americano” e com um povo cujo hábito de frequentar salas de cinema é um verdadeiro patrimônio cultural, a Índia possui um Market Share de nada menos que 87% para suas produções locais. É sustentado por esse número avassalador que Bollywood (como é conhecido o mercado indiano de produção de longas) consegue dar luz a esses quase 2.500 filmes por ano, um número maior que o dobro do segundo colocado, a China.
Se o mercado chinês não é o maior em número de filmes locais produzidos, desde o ano passado, ele se tornou o maior mercado global, superando o americano. Aqui, é muito importante notar o reconhecimento que o governo chinês e sua população dão para o cinema nacional, como forma de formação cultural e social. Vamos olhar um pouco para trás?
Desde o começo do século XX, os filmes americanos ganharam as salas de cinema e lares de praticamente todos os países do mundo. Lembro que, desde minha adolescência, me chamava a atenção falarmos “sinto muito” quando um conhecido falecia. Se isso, em princípio, não é o habitual da nossa cultura, ela é a perfeita tradução do “I’m sorry”, que vemos se repetir nos filmes americanos nessas mesmas situações. Ou seja, nós simplesmente nos apropriamos, de forma espontânea, de uma expressão americana que nos acostumamos a ver nas telas de cinema.
Este é, logicamente, apenas um exemplo dentre inúmeros outros que mostram como o cinema tem uma enorme força de influência e, consequentemente, consegue estabelecer esse verdadeiro “domínio cultural”. Essa força pode também ser percebida em um momento nefasto da nossa história, quando Hitler percebeu o poder do audiovisual para transmitir a ideologia nazista, por exemplo.
Voltando para o momento atual, vimos recentemente – e pela primeira vez – um Oscar de Melhor Filme sendo entregue a um longa sul-coreano, Parasita, em 2020. Neste mesmo ano, pela primeira vez na história a maior bilheteria global foi para um filme chinês e não norte-americano, o longa The Eight Hundred.
Claro que a pandemia teve uma parcela de responsabilidade nesse resultado, mas é importante percebermos como, com grandes produções de fazer inveja até mesmo a Hollywood, os chineses estão investindo pesado em seu audiovisual como forma de influência global e isso realmente vem dando resultado.
Nossa análise das indústrias audiovisuais de outros países também se mostra relevante sob o ponto de vista do financiamento público. Vimos anteriormente o quão dependente deste modelo o cinema brasileiro é, mas como funciona em outros países? Por mais que muitos acreditem que não, até mesmo o cinema norte-americano conta com apoios governamentais em suas produções, principalmente através de Film Comissions.
O cinema sul-coreano é também outro comparativo interessante, neste ponto. Para quem acompanha as produções e o desenvolvimento do mercado audiovisual local há anos, a coroação global e gigantesco êxito de bilheteria de Parasita não foi apenas um fenômeno isolado. Conforme dados da KOFIC, o órgão sul-coreano responsável pelo cinema, há 25 anos, a produção local representava apenas 2% do market share. Já em 2019, esse número subiu para incríveis 51%. Esse crescimento se vê também, e de forma ainda mais impressionante, no número de produções locais lançadas nas telonas. Em 2015, foram 232 longas lançados, contra, pasmem, 502 em 2019. Um crescimento maior que 100% em apenas 4 anos.
Todo esse crescimento não existiria sem o apoio governamental. O governo sul-coreano, além das já citadas Film Comissions, investe forte em subsídios e empréstimos que efetivamente dão retorno e resultados. Enquanto o Brasil, como vimos, tem um número de ingressos per capita abaixo de 1, a Coreia possui um dos números mais altos do mundo, de 4,2 em 2019. É um mercado que, de fato, aprendeu com o tempo a não apenas consumir cinema, mas, principalmente, a consumir sua produção local.
Em resumo, é claro que precisamos trabalhar muito no desenvolvimento de nossa indústria, mas há mecanismos e referências o suficiente que nos mostram que é sim possível transformarmos o cenário de consumo do audiovisual no Brasil e nos tornarmos uma das grandes potências globais no setor.
Assim como praticamente todos os mercados – e todos nós, individualmente –, a indústria do audiovisual foi extremamente afetada pela pandemia da COVID-19, mas não apenas negativamente. Uma transformação, que já era esperada para os próximos anos, foi substancialmente acelerada, impactando em uma série de modelos de negócios estabelecidos há décadas.
Aqui, vale nos aprofundarmos um pouco mais para entendermos como essa alteração de modelo pode mudar o mercado audiovisual para sempre.
Um dos principais diferenciais da janela de cinema sempre foi o ineditismo. Desde a Era de Ouro de Hollywood até o período mais recente, os grandes lançamentos eram sinônimos de grandes filas e salas lotadas. Todos aguardavam ansiosamente por uma estreia.
Em crise e sem muitas opções, os exibidores acabaram sucumbindo a esta pequena grande revolução, mas conseguiram, pelo menos, uma negociação mais interessante com alguns estúdios, defendendo uma janela de pelo menos 14 dias.
Enquanto este texto é escrito, essa transformação está em pleno vigor e o acompanhamento deste cenário é vital para o futuro do cinema. Novos acordos entre distribuidores e exibidores estão sendo fechados e cada lado poderá aproveitar essa mudança de formas distintas. Aprofundaremos o assunto nos próximos capítulos, mas toda essa transformação pode ser vista também como uma oportunidade de reinvenção e um mar aberto de oportunidades para os distribuidores.
Mas isso será o fim do cinema como conhecemos? Veremos, em seguida, que não é bem assim (ufa!).
Se nos filmes de Hollywood nos acostumamos a ver Darth Vader, Coringa, Thanos, entre muitos e muitos outros vilões, as salas de cinema também já enfrentaram muitos deles. A TV, o VHS, a TV por assinatura, o DVD e agora o streaming. A verdade é que o “fim do cinema” já foi decretado diversas vezes, mas, independentemente do concorrente em questão, o número global de salas seguiu aumentando praticamente ano a ano, assim como as cifras das bilheterias.
Apesar de toda a crise gerada pela pandemia, grande parte das maiores redes globais de cinemas estão conseguindo sobreviver e seguem se revolucionando para que essa experiência seja cada vez mais completa. Ao analisarmos a quantidade de opções que hoje são oferecidas aos frequentadores das grandes redes, isso fica ainda mais evidente. Além da qualidade de som e projeção incomparáveis, ao comprar um ingresso, a gama de opções hoje em dia inclui salas VIP, infantis, imersivas, entre diversas outras, além de cada vez mais tentações nas bombonieres.
Uma pesquisa muito recente mostrou, inclusive, que uma das atividades que o brasileiro mais está sentindo falta durante a pandemia é exatamente a de ir ao cinema. Isso em um momento em que estamos vivendo um verdadeiro boom de plataformas de streaming e, consequentemente, de novos conteúdos sendo lançados.
Todas essas informações evidenciam que, ao contrário do que o senso comum infere, o cinema concorre muito mais com outras opções de passeios, como restaurantes, parques, praia etc. do que com as plataformas de streaming. Na realidade, vale enxergar isso de uma forma ainda mais otimista. O consumo de conteúdos audiovisuais em plataformas pode desenvolver, inclusive, a formação cultural da nossa sociedade, algo que é fundamental para que consigamos ultrapassar barreiras que antes eram praticamente intransponíveis.
Graças ao streaming, o consumidor do audiovisual está se habituando a assistir, por exemplo, filmes e séries de diferentes procedências, além da americana. Séries como Casa de Papel e Dark, além de se tornarem grande fenômenos mundiais, passaram a abrir espaço para que o público se acostume a consumir produtos que, em princípio, não são grandes blockbusters com orçamentos na casa das centenas de milhões de dólares e nem contam com os grandes atores hollywoodianos. Além disso, uma sociedade que consome cada vez mais produtos audiovisuais passa a ser formada por pessoas que vão treinando seu olhar e passando, consequentemente, a consumir mais e mais conteúdos. Lembramos aqui da transformação cultural que ocorreu na Coreia do Sul e do impacto que isso teve no mercado audiovisual local. Se soubermos enxergar essa transformação como uma oportunidade, o mercado brasileiro audiovisual pode se expandir significativamente.
Toda essa revolução está acontecendo nesse momento. E uma revolução sempre vem acompanhada de transformações, desafios e oportunidades. O importante é que estejamos atualizados em relação a este cenário e, nos próximos capítulos, nos aprofundaremos em como a transformação de um projeto em produto, através da Distribuição e Comercialização é cada vez mais fundamental em nosso mercado.
Em 11 de abril de 2019, o filme nacional De Pernas Pro Ar 3, estrelado por Ingrid Guimarães e produzido pela Morena Filmes, foi lançado no território brasileiro em 909 salas e 542 cinemas, uma média de mais 1,6 salas por cinema. Isto o consolidou como o segundo maior lançamento nacional do ano, atrás apenas de Minha Mãe é Uma Peça 3, que seria lançado em dezembro, com um circuito superior às mil salas.
É importante destacar um fato relacionado à Cota de Tela. Apesar de defender o espaço do cinema nacional, esse mecanismo não protege nosso cinema em lançamentos pontuais. Isso quer dizer que o exibidor poderia programar apenas um filme estrangeiro em todas as suas salas, por exemplo, desde que cumprisse com as exigências vigentes relacionadas a Cota de Tela (número mínimo de estreias e semanas de exibição de filmes nacionais). Ao longo do ano Apesar de já ter sido implementado em anos anteriores, vale reforçar que não existe atualmente nenhuma espécie de mecanismo que limite o tamanho e ocupação de um filme no Brasil.
Vamos, então, analisar os números de ambos os lançamentos?
Registrou, em seu primeiro final de semana, 418.725 espectadores, segundo dados da IBOE/Rentrak. Isso deu a ele uma média de 460 pessoas por sala, um bom resultado, porém abaixo da expectativa do mercado, mas que ainda assim o garantiu uma boa dobra para sua segunda semana. Dessa forma, na semana de 18/04, o filme perdeu algumas salas, ficando em 769, porém crescendo em número de cinemas, registrando 552. Com esse circuito, o filme registrou mais 310.388 espectadores, uma queda de 26% em relação ao final de semana de sua estreia – uma queda considerada boa, o que pode indicar que teria uma longa vida pela frente. Mas a principal batalha viria na semana seguinte.
Dessa forma, o filme brasileiro teve uma queda próxima a 60%, o que praticamente inviabilizou uma boa dobra na semana seguinte e, consequentemente, impactou consideravelmente o resultado esperado de bilheteria. Em seu final de carreira, o longa dirigido por Júlia Rezende, registrou pouco mais de 1,8 milhões de espectadores, ficando inclusive fora do Top 20 das maiores bilheterias daquele ano. Por outro lado, a Disney registrou quase 20 milhões de espectadores de seu filme, se consolidando como a maior bilheteria de todos os tempos no Brasil.
Além de Thanos, é muito complicado identificar os vilões dessa história. Os produtores e distribuidores do filme brasileiro responsabilizam os exibidores pelo apoio extraordinário deles ao longa americano. Por sua vez, esses mesmos exibidores, responsabilizam a distribuidora brasileira pela (má) escolha da data, uma vez que são empresas que visam o lucro e precisam apoiar os conteúdos mais rentáveis para eles.
A verdade é que, se tivéssemos um maior número de cinemas e salas, situações como essa poderiam ser evitadas. E, para termos mais salas é preciso que exista demanda. E, para termos demanda, é preciso termos um público consumidor, o que é base de qualquer mercado de cinema mundial. Não basta termos um povo que consome um ou dois lançamentos por ano! Temos que fidelizá-lo e conquistá-lo de forma que a ida ao cinema se torne um verdadeiro hábito. É somente dessa forma que nossas salas estarão sempre cheias, que teremos mais salas para nossos lançamentos e que nosso mercado se desenvolverá por completo. Nos vemos no próximo capítulo, onde falaremos sobre distribuição audiovisual.
Vamos finalizar o capítulo ouvindo um podcast: